O mundo assiste a um questionamento crescente de paradigmas estabelecidos na economia e também na cultura política. A crise ambiental no planeta, quando traduzida na mudança climática, é uma ameaça real ao pleno desenvolvimento das nossas potencialidades.
Por outro lado, partimos do pressuposto de que o Brasil possui uma posição privilegiada para enfrentar os enormes desafios que se acumulam. Abriga parte significativa da biodiversidade e da água doce existentes no planeta, grande extensão de terras cultiváveis, diversidade étnico-cultural, criatividade e uma rica variedade de formações naturais cujo papel é fundamental na preservação das bases naturais do nosso desenvolvimento.
Uma economia sustentável exige políticas econômicas consistentes e previsíveis, que possam suavizar variações bruscas nos agregados de produtos e preços. Além disso, o crescimento da economia sustentável tem que ser compatível com a absorção de novas tecnologias de baixo carbono e o aumento contínuo da qualidade de vida para todos.
Historicamente, o Brasil enfrenta restrições relativas ao financiamento de seu desenvolvimento, que se expressa na dívida pública bruta, que ultrapassou 68% do PIB em 2009, e mais recentemente no aumento da carga tributária, que passou de 24% para 35% entre 1991 e 2009, entre outros desequilíbrios.
Nossa dívida é cara e financiada em prazos relativamente curtos. Essa situação reflete a escassez de poupança de longo prazo na economia, produzindo taxas de juros incompatíveis com o objetivo maior que é a progressiva capacitação dos cidadãos para vidas mais livres e dignas de serem vividas, que se expressa no conceito de desenvolvimento sustentável.
Esses objetivos só podem ser atingidos com medidas consistentes que permitam caminharmos em direção a uma economia que tem nos nossos ativos ambientais os fatores centrais do desenvolvimento.
a. Manter a estrutura de sustentação da política macroeconômica – Metas de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante, administrando as políticas fiscal, monetária e cambial para garantir o equilíbrio interno e externo, são requisitos de um desenvolvimento sustentável. Na ausência de uma coordenação adequada entre política fiscal e monetária, a segunda fica sobrecarregada e os custos em termos de produto e emprego serão maiores no tempo. O regime de câmbio flutuante, por sua vez, precisa prever intervenções pontuais, visando atenuar os excessos de volatilidade na taxa cambial decorrentes de excessos ou escassez momentâneos de liquidez.
b. Reduzir o nível de endividamento do setor público – Embora cerca de 39% do PIB transite pelo nosso setor público (36% PIB de carga tributária mais 3% PIB do déficit nominal), a capacidade de investimento em capital fixo do Estado brasileiro não alcança 2% do PIB. Por isso, é fundamental conter o crescimento dos gastos públicos correntes à metade do crescimento do PIB (mantendo a possibilidade de política fiscal anticíclica nos momentos de retração econômica), estimular a poupança de longo prazo, substituir a sucessão de programas extraordinários de anistia fiscal (que se iniciou no âmbito federal com o Refis) por estratégias mais sólidas de recuperação de créditos tributários.
c. Justiça tributária – O nosso sistema tributário precisa ser reestruturado com firmeza e intensidade de propósito. O compromisso é promover uma reforma tributária que busque a simplificação e a transparência do sistema, o aumento da progressividade tributária através da redução da participação de impostos indiretos e dos impostos que incidem sobre a folha de pagamento na carga total, maior transparência para a sociedade e a redução da carga tributária, que só pode ser alcançada no médio prazo com a redução do crescimento dos gastos públicos.
d. Infraestrutura – A infraestrutura é a base fundamental para sustentação do crescimento econômico. A forma como é planejada e constituída tem enorme impacto na distribuição geográfica do desenvolvimento, na qualidade de vida da população e nos impactos ambientais. Na transição para uma economia de baixo carbono, o planejamento da infraestrutura deve ter foco em uma infraestrutura que seja eficiente e sustentável no uso dos recursos naturais.
Nos sistemas de transporte, a ênfase deve ser dada às ferrovias, às hidrovias e aos sistemas híbridos, combinando biocombustíveis e eletricidade.
O saneamento básico será priorizado e todas as alternativas de geração de energia a partir do tratamento do esgoto serão incentivadas. O tratamento de resíduos sólidos impulsionará novos negócios a partir da redução da geração, do reuso, do reaproveitamento, da reciclagem e da recuperação energética dos resíduos, como preconiza a lei sobre resíduos sólidos.
Apoiar a melhoria à gestão das empresas públicas estaduais de saneamento, qualificando a sua condição financeira para que possam tomar e gerir empréstimos. No Brasil, apenas sete das 27 empresas se encontram em condições adequadas para tomar empréstimo do FGTS, a principal fonte de financiamento para o setor.
Estabelecer mecanismos de apoio aos municípios para elaboração de projetos adequados de engenharia no setor de saneamento e diminuir o atraso nas contratações de obras de saneamento.
É preciso preparar tecnicamente os municípios para se adaptarem às novas legislações que incentivam a participação de investimentos privados no setor. É consenso que há regras suficientes para impulsionar investimentos, cabendo aos estados e municípios proceder às adaptações que a legislação federal determina.
e. Energia limpa – O sistema elétrico brasileiro necessita de um acréscimo anual na sua capacidade instalada de geração, em torno de 3.300 MW médios. Ampliar a diversificação nos projetos de geração, de forma que o país possa usar a complementaridade de diferentes fontes para a sustentabilidade da oferta de energia renovável. Entre essas fontes merecem destaque a eletricidade cogerada no processamento da cana-de-açúcar, advinda dos projetos eólicos de grande altura (acima de 80 metros) e dos sítios “offshore”, além dos projetos hidroelétricos já em andamento, como os do Rio Madeira. Os novos aproveitamentos hidroelétricos – principalmente da Bacia Amazônica – deverão ter sua avaliação ambiental estratégica e integrada amplamente divulgada e devidamente analisada a partir de suas audiências públicas.
Também são centrais as políticas de incentivo à otimização da demanda de eletricidade, incluindo o incentivo a equipamentos e sistemas mais eficientes e à conscientização e mobilização da população sobre o tema. Além dos instrumentos de natureza financeira e tributária, deverá ser prioritária a adoção de novas tecnologias de gestão da malha de transmissão e distribuição – conhecidas como “smart grid” – de forma a favorecer a introdução das diferentes alternativas de geração distribuída.
f. Internet para todos – O acesso à Internet ainda é pequeno em proporção à população total (35% com acesso) e à quantidade de domicílios (21% com acesso). Urge estender a rede de velocidade rápida, além de 1 Mbps, seja via linha telefônica fixa, celular, cabo de fibra ótica, eletricidade ou outra forma de acesso sem fio.
O Programa Internet para Todos facilitará o acesso da maioria dos 53 milhões de domicílios brasileiros aos computadores e dispositivos celulares para conexão à Internet por meio do incentivo de crédito de longo prazo, bem como da desoneração fiscal dos mesmos em relação a impostos como Fust, PIS, Cofins e IPI, que correspondem a 42% das tarifas de telecomunicações.
É preciso promover a expansão e universalização da oportunidade de acesso à telefonia, Internet e TV digital de alta definição a todos os brasileiros. O governo brasileiro deve assumir um papel de liderança na otimização dos recursos de infraestrutura de rede e na implementação de políticas e programas de e-gov em vários segmentos.
g. Preparação para os grandes eventos – A realização de grandes eventos, como a Copa do Mundo, a Olimpíada e a Convenção Internacional Rio + 20, deve ser encarada como uma importante oportunidade para projetar a imagem de um país que tem a sustentabilidade no eixo central de seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que deixará uma ampla gama de investimentos em infraestrutura urbana como legado para a melhoria de qualidade de vida dos brasileiros. Neste sentido é fundamental criar força-tarefa para otimizar planos e investimentos, e garantir a instalação de sistemas de transporte público e saneamento nas cidades-sede dos eventos e potencializar o desenvolvimento do turismo com qualidade.
h. Inovação para produtos e serviços da nova economia – Nada poderá ser mais decisivo para a prosperidade sustentável da sociedade brasileira do que considerar o conhecimento como prioridade de suma importância. Seja no âmbito global, nacional, regional ou local, a participação de processos intensivos em conhecimento se torna cada vez mais determinante. Por isso, tende a ser crescente a sinergia entre centros produtores de conhecimento e a maioria das ações sociais que mais impulsionam tanto o desenvolvimento quanto a sustentabilidade ambiental global. É do conhecimento que depende cada vez mais a capacidade social de gerar e utilizar a inovação.
O investimento em inovação é crucial para dotar o Brasil de capacidade para aproveitar a vantagem competitiva que seu vasto território e suas amplas riquezas naturais e humanas lhe conferem. É preciso investir em conhecimento e em inovação como estratégias prioritárias para potencializar esse patrimônio natural e viabilizar a transição para uma economia mais sustentável, de baixa emissão de carbono. Para isso deve-se investir na inventividade, empreendedorismo e criatividade, tratando-a como ativo econômico.
i. Estímulo à geração de empregos verdes – São os empregos calcados em uma economia sustentável, proporcionando trabalho decente com baixo consumo e emissão de carbono. Os setores de maior potencial no Brasil são a construção civil, a indústria, o turismo, a geração de energias limpas, seguras e renováveis, o transporte, a agropecuária e o uso sustentável dos diferentes biomas (particularmente das florestas). Eles precisam ser estimulados por meio de instrumentos fiscais, tributários e creditícios.
j. Gestão estratégica dos recursos naturais não renováveis – O Brasil tem uma das maiores reservas de recursos minerais, petróleo e gás no planeta. Porém, esses recursos são por natureza finitos e, portanto, devem ser geridos de forma estratégica para garantir o abastecimento ao mesmo tempo que prepara o futuro independente destes.
O acesso à exploração dos recursos minerais deve ser revisto para torná-lo mais transparente e competitivo, devendo prevalecer os empreendimentos que consigam combinar os maiores valores de royalties com os melhores padrões de desempenho social e ambiental.
k. Gestão estratégica dos recursos naturais renováveis – Entre todos os países, o Brasil é o que possui a maior reserva e oferta de água doce, a maior diversidade de espécies animais e vegetais, a maior quantidade de biomassa e a segunda maior área florestal. Esses recursos, juntamente com a diversidade social, constituem provavelmente nossa maior riqueza. A gestão estratégica desses recursos deve estar na base de todo processo de desenvolvimento do país.
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação deve ser complementado e fortalecido de forma a atingir as metas de conservação em todos os biomas brasileiros, e se tornar um sistema gerador de riqueza e conhecimento pela expansão da visitação e promoção da pesquisa nas unidades.
A gestão compartilhada das águas deve ser fortalecida de acordo com Política Nacional de Recursos Hídricos.
l. Turismo sustentável – Valorizar o grande potencial brasileiro para o turismo, de forma sustentável e nos seus diversos segmentos: ecoturismo, turismo de base comunitária, de aventura, sol e praia, náutico, rural, de negócios e eventos, cultural, de saúde, de pesca, esportivo, cinematográfico, geoturismo, entre outros. Criar estímulos para estruturar e qualificar a economia do turismo, visando fortalecer seu potencial para geração de empregos locais e em diversos setores; promover fonte de renda direta para a conservação dos patrimônios naturais, culturais e arqueológicos; criar oportunidades e benefícios para comunidades que habitam áreas isoladas, rurais e/ou remotas e valorizar os seus modos de vida tradicionais; fomentar parcerias e ações para promover o empreendedorismo. Criar mecanismos de proteção e combate à prostituição infantil.
m. Agronegócio sustentável – O agronegócio brasileiro deve ter sua orientação estratégica direcionada ao aumento de produção pelo ganho de produtividade (expresso em geração de riqueza por hectares de solo ocupado, por litro de água consumido e por tonelada de gases de efeito estufa emitida), aliada à conservação e restauração dos recursos naturais, incluindo o desmatamento zero em todos os biomas, a redução do uso de agroquímicos e uma transição para o sistema de agroecologia. Essa estratégia permitirá intensificar o uso das áreas já ocupadas pela agropecuária, freando a expansão da fronteira agrícola, principalmente na Amazônia e no Cerrado.
Todos os instrumentos de políticas públicas devem ser direcionados à desejável conciliação entre produtividade, conservação e geração de renda de milhões de agricultores brasileiros.
n. Fortalecimento da agricultura familiar – A agricultura familiar deve ter a garantia de acesso à tecnologia e a terra, por meio de políticas ativas que viabilizem a reforma agrária. O Estado deve investir no acesso pleno dos agricultores familiares aos serviços públicos, em especial de saúde, educação e habitação de qualidade, além da inserção digital e acesso à informação, facilitando sua permanência no campo e a de seus filhos se assim o desejarem. Criar estruturas de comercialização de produtos da agricultura familiar com o mínimo de intermediação, permitindo uma melhor remuneração do produtor e o acesso a uma alimentação saudável por parte dos consumidores.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar deve ser mantido e converter-se num exemplo das políticas públicas de terceira geração, por meio de um conjunto de agentes de desenvolvimento voltados a elaborar projetos capazes de gerar renda, garantir os serviços ecossistêmicos e evitar a inadimplência dos agricultores.
o. Economia solidária – Fortalecer a economia solidária aprofundando seus laços com a sustentabilidade e a inserção dos empreendimentos da economia solidária no mercado justo e sua articulação com os movimentos e redes de consumo consciente e sustentável. Criar um Sistema Nacional de Economia Solidária, em bases sustentáveis, e fomentar os empreendimentos solidários: Cooperativas, Associações, Empresas Autogestionárias, Bancos Solidários; Feiras e Lojas de Economia Solidária; Clubes de Trocas e Programas de Incentivo ao Consumo Responsável; Incubadoras de empreendimentos solidários e tecnologias sociais. Estabelecer espaços articuladores da economia solidária (Secretarias, Conselhos, etc.) nas três esferas da federação (nacional, estadual e municipal).